Entenda porque Dilma deve perder o mandato de presidente da República

Entenda porque Dilma deve perder o mandato de presidente da República

29/08/2016 - 09:58

Em meio às infindáveis horas de interrogatório das testemunhas no Senado Federal na sessão de julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), o 180 separou a participação de quatro senadores da República no processo que servem para explicar didaticamente - apesar de um tema técnico - o porquê a então mandatária brasileira deve perder seu mandato.

As perguntas e respostas, ainda que um pouco longas, mas ínfimas perto de tudo que foi produzido até agora, sustentam a tese que imputa a Dilma Rousseff a prática de crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Orçamentária, a Constituição Federal e a consequente prática de Crime de Responsabilidade, suficiente para perca do mandato, em uma trajetória jurídica legítima e com base no que prega a legislação brasileira.

A dúvida que os governistas procuram disseminar é se houve realmente o Crime de Responsabilidade. Os trechos abaixo, em que aquele que é considerado o algoz da petista, o representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo, é o inquirido, parece colocar tudo em seu devido lugar.

O procurador foi ouvido como informante da acusação e não como testemunha.

Aos questionamentos e respostas:_________________

Senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES): Dr. Júlio Marcelo, o art. 167, V, da Constituição Federal, consagra que é vedada a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa. Já o art. 10 da Lei 1.079, a Lei do Impeachment, define de maneira absolutamente cristalina quais são os crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária. Em julho e agosto de 2015, a Presidente afastada Dilma editou decretos suplementares em desacordo com a meta fiscal vigente e só recebeu autorização do Congresso Nacional para fazê-lo em dezembro do mesmo ano, ou seja, cinco meses após a edição e a publicação desses decretos, em lugar de autorização prévia, autorização posterior. E o fez de maneira intencional e reincidente, pois, em 22 de junho de 2015, por meio do Ofício nº 1, de 2015, o Tribunal de Contas enviou notificação à Presidente afastada acerca das ilegalidades com a Constituição Federal e com as leis fiscais e orçamentárias do País. Entre os ilícitos apontados, estava a edição de sete decretos suplementares entre os dias 10 de novembro e 4 de dezembro de 2014, em desacordo com a meta fiscal vigente, e sem prévia autorização legislativa. Ou seja, os mesmos atos cometidos em 2014 foram reincididos em 2015. Pergunto a V. Sª: V. Sª poderia dizer por que é crime de responsabilidade, punível com a perda do mandato, a edição de decretos sem autorização legislativa? E quais as consequências desse tipo de crime na desorganização fiscal, econômica e com reflexo social para o País? Segundo, a Defesa insiste em alegar que a edição de decretos suplementares já foi feita no passado pelo Tribunal de Contas da União, que não teria feito qualquer ressalva a respeito, o que tornaria patente uma alteração no entendimento do Tribunal de Contas. Para tanto, citam as contas referentes ao ano de 2009. Pergunto a V. Sª: há decisão anterior do Tribunal de Contas da União sobre essas práticas que a consideravam legais?

Júlio Marcelo: (...) A questão dos decretos é quanto à prévia autorização legislativa. A Constituição estabelece que a suplementação de créditos orçamentários só pode ocorrer mediante autorização do Congresso Nacional, que é o órgão competente para estabelecer, autorizar os gastos da União, do Poder Executivo da República brasileira. Os decretos foram emitidos sem a observância desse mandamento constitucional, porque o Congresso Nacional delegou ao Poder Executivo uma certa flexibilidade na suplementação de créditos orçamentários, estabelecendo uma condicionante: que esses decretos fossem compatíveis com a obtenção da meta fiscal em vigor. E o Poder Executivo editou decretos considerados pelo Ministério Público de Contas e pelo Tribunal de Contas como incompatíveis com a obtenção dessa meta e, portanto, feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Orçamentária e a Constituição da República, que prevê os atos atentatórios contra as leis orçamentárias e contra o cumprimento das leis do País como uma hipótese de crime de responsabilidade, razão por que os denunciantes entenderam por bem apresentar uma denúncia ao Congresso Nacional para tratar dessas questões. Não há nenhuma decisão do Tribunal de Contas da União, anterior ao julgamento das contas de 2014, ocorrido em 2015, dizendo que tais créditos poderiam ser abertos dessa forma, abonando a conduta do Poder Executivo. Em nenhum momento o Tribunal de Contas da União disse, anteriormente às contas de 2014, que a abertura de créditos suplementares, de forma incompatível com a meta, poderia ser admitida se já houvesse o envio, ao Congresso Nacional, de um projeto de lei mudando esta meta.

Ricardo Ferraço (PSDB/ES): Dr. Júlio Marcelo, a irresponsabilidade do Governo afastado atingiu também os bancos públicos, conforme apontado pelo Tribunal de Contas da União e comprovado no decorrer dos meses de trabalho na Comissão Especial do Impeachment. Sobre isso, concluiu a Perícia que os atrasos nos pagamentos devidos ao Banco do Brasil constituem operação de crédito, tendo a União como devedora, o que afronta o disposto no art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. O Ministério Público Federal do Distrito Federal, em decisão recente, afirmou que as pedaladas fiscais tinham por objetivo maquiar as contas públicas e o resultado fiscal. Por isso, configuram, sem sombra de dúvida, atos de improbidade administrativa. Pergunto a V. Sª: à luz da legislação pátria, estão corretas as conclusões da Perícia e do Ministério Público Federal do Distrito Federal? V. Sª poderia esclarecer aos Senadores e à população brasileira se há diferença na gravidade de um ato omissivo e de um ato próprio da Presidente da República?

Júlio Marcelo: Na qualificação dos fatos que procedemos, como membro do Ministério Público de Contas, e assim também entenderam os auditores do Tribunal de Contas, os Ministros do Tribunal de Contas, os peritos indicados pelo Senado e também os assistentes técnicos, a utilização dos bancos públicos federais como uma fonte de recursos para o financiamento de políticas públicas configura uma operação de crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O nosso colega do Ministério Público Federal, procedendo a uma avaliação com vistas à eventual ação penal por crime contra as finanças públicas, nos tipos previstos no Código Penal, chegou à conclusão de que não seria uma operação de crédito. Teve ele esse entendimento, mas entendeu que se trataria de atos de improbidade, destinados à maquiagem das contas públicas. Portanto, desaguariam num procedimento – improbidade quando se refere à Presidência da República –, num crime de responsabilidade. Com todo o respeito ao colega do Ministério Público Federal, que conheço, admiro, respeito e tenho certeza de que terá uma trajetória brilhante na sua carreira no Ministério Público, mas parece-me que a sua avaliação não restou completa por dois aspectos: entendeu que o beneficiário dos pagamentos devidos pelo Tesouro ao banco público, o beneficiário seria o próprio banco, que o beneficiário da política pública, então, seria o Banco do Brasil, quando, na verdade, essa subvenção econômica vem para subsidiar o tomador do empréstimo, o agricultor. Ele é o beneficiário da política pública. Então, quando o Tesouro não repassa, não faz o repasse para o Banco do Brasil do valor devido a título de equalização, ele está obrigando o Banco do Brasil – ele, Banco do Brasil – a estar subsidiando e financiando, no lugar do Tesouro, o agricultor. Quando o Tesouro faz o pagamento, ele está fazendo o pagamento em favor do agricultor, para favorecer o agricultor. Ele é o destinatário da política pública. Para o Banco do Brasil, é neutro receber a taxa de juros cheia do agricultor ou receber uma parte do agricultor e a outra parte...

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Senador Waldemir Moka (PMDB/MS): (...) Sr. Procurador Dr. Júlio Marcelo, quero dizer que é do conhecimento dos Senadores e Senadoras que a denúncia contra a Presidente Dilma Rousseff ficou restrita ao Plano Safra no Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, relativa ao ano 2015. Gostaria que o senhor discorresse mais acerca da lógica toda de afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Constituição, e, para tanto, contextualizasse com os outros anos, para que ficasse claro ao povo brasileiro que o crime é grave e continuado, que os fatos apurados relativos a 2015 foram apenas a ponta de um imenso iceberg. É o meu questionamento.

Júlio Marcelo: Obrigado, Senador Waldemir Moka. Nós tivemos a oportunidade de falar aos Srs. Senadores, na Comissão de Assuntos Econômicos e na Comissão Especial do Impeachment. O fato que restou recortado na denúncia relativa a 2015 é a continuidade de um processo que vem de 2013 e 2014, de utilização de bancos públicos federais como fonte de receitas para expansão do gasto público, sem arrecadação correspondente. Essa estratégia de atuação teve dois pilares. O primeiro, não registrar tais passivos no Banco Central, nas estatísticas do Banco Central, porque, com isso, maquiando as contas públicas, não registrando esse passivo no resultado primário, cria-se artificialmente um espaço fiscal para a expansão de gasto público. Mas não bastava o espaço fiscal. Precisava-se também do dinheiro, e o dinheiro vem justamente dos bancos federais, no sentido de que eles, ao não receberem esses recursos e arcarem com o seu caixa, com os benefícios que a Caixa paga, o seguro-desemprego, o Bolsa Família, o Banco do Brasil, custeando o Plano Safra, com os seus recursos próprios, e o BNDES custeando o PSI com os seus recursos próprios, permitiram que o Poder Executivo ampliasse gastos que tinham forte impacto eleitoral, como, por exemplo, o Fies, que, de R$5 bilhões em 2013, saltou para R$12 bilhões, em 2014, e, em 2015, voltou a ter uma dotação reduzida para o nível anterior. O que restou em 2015 foi a continuidade, então, desse processo que trouxe um grande benefício para o Poder Executivo, porque permitiu transmitir uma mensagem, uma imagem de um Poder Executivo provedor, realizador, mesmo quando a receita, a arrecadação do País já estava se reduzindo. Então, foi um grande plano de fraude fiscal que contou com a omissão do registro das dívidas, com a fraude aos decretos de contingenciamento e com a utilização dos bancos públicos federais como fonte de financiamento ilegal, proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Senador Waldemir Moka (PMDB/MS): Dr. Júlio Marcelo, no seu entendimento, qual o prejuízo às contas públicas dessa decisão de usar bancos oficiais nessas operações que levou o Tesouro a chegar a ficar devendo ao Banco do Brasil, só ao Banco do Brasil, a enorme cifra de mais ou menos R$60 bilhões nesse episódio?

Júlio Marcelo: Sr. Senador, o prejuízo dessa forma de proceder do Poder Executivo, dessa fraude fiscal foi a perda de credibilidade do País quanto a suas estatísticas, quanto a seu compromisso com a estabilidade fiscal, quanto a seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas, sempre ressaltando que o equilíbrio das contas públicas é um pressuposto, é uma condição para a realização de qualquer despesa pública, inclusive as despesas sociais, as despesas dos programas sociais, meritórios que são, mas que precisam estar em acordo com o equilíbrio fiscal para que possam ter sustentabilidade ao longo do tempo. Essa perda de credibilidade fez com que o Brasil perdesse o grau de investimento. Essa expansão do gasto público sem sustentação fez com que a trajetória da dívida pública tivesse um momento de explosão – a dívida pública cresceu em mais de 500 bilhões no exercício de 2014 – e, evidentemente, isso fez com que os agentes econômicos passassem a atuar defensivamente, deixando de investir, adquirindo dólar para se proteger de um eventual descontrole da inflação, preferindo aplicar em títulos do Governo, uma vez que a inflação obriga o Governo ao aumento da taxa de juros, então, incentivando o desinvestimento e levando o Brasil a uma recessão com inflação, que é o quadro que nós estamos vivendo aí, nos dois últimos anos.

 

Senador Cássio Cunha Lima (PSDB/PB): (...) Dr. Júlio, ao seu trabalho e à sua postura, indago ao depoente se a alegação da Defesa de que os empréstimos chamados pedaladas fiscais podem, de fato, ser caracterizados como prestação de serviços. É o argumento fulcral, basilar da Defesa que as chamadas pedaladas fiscais caracterizam-se numa relação de prestação de serviço entre o Governo Federal e os bancos controlados por esse mesmo Governo Federal. Portanto, indago ao depoente se as chamadas pedaladas fiscais podem ser consideradas uma relação de prestação de serviço, como argumenta a Defesa.

Júlio Marcelo: Sr. Senador Cássio Cunha Lima, não, não pode ser considerado como prestação de serviço, e explico por quê. Os bancos públicos, a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil, atuam como agentes operadores, pagadores de benefícios ou operadores do Plano Safra e do PSI. A condição de prestador de serviço da Caixa, por exemplo, quando paga o benefício, é colocar à disposição do Governo a sua agência, o seu funcionário para que o beneficiário do seguro-desemprego compareça à agência e receba, uma vez que o Governo Federal não tem guichês para atender pelo Brasil afora toda a população beneficiária. Por essa prestação de serviço, ela é remunerada, tarifas bancárias – R$1,00 por pagamento feito, R$1,50, enfim, o valor que for estabelecido no contrato. Não é prestação de serviço da Caixa assumir o pagamento em nome da União. Não é prestação de serviço do Banco do Brasil assumir o ônus da falta de equalização feita pelo Tesouro e continuar emprestando para o agricultor. Não é prestação de serviço do BNDES assumir o ônus da falta de equalização e continuar emprestando para os empresários brasileiros. Então, a prestação de serviço existe e é remunerada mediante tarifas, mas não se confunde com a equalização e não se confunde com o valor do principal que o Tesouro paga à Caixa para os benefícios serem pagos aos beneficiários. Quando o Banco do Brasil passa a financiar os agricultores com seus recursos próprios, ele não está mais prestando o serviço de agente operador, ele está atuando como verdadeira fonte de recursos para a União, e, portanto, financiando a política pública da União, e, portanto, realizando uma operação de crédito ilegal. Foi isso que apontamos perante o Tribunal de Contas da União e é isso que viola a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Cássio Cunha Lima (PSDB/PB): Portanto, a resposta do depoente deixa claro o descumprimento do art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda, de maneira expressa, no texto da legislação, que entes controladores de bancos possam tomar dinheiro emprestado. E foi por essa razão que, na década de 90, vários bancos estaduais foram liquidados. Inclusive, o Banco do Estado que tenho a honra de aqui representar, a Paraíba, o Paraiban, foi liquidado pela União exatamente por essas operações que os Governos de então realizavam. E o Brasil imaginava a essa altura que estávamos livres dessa conduta fraudulenta. E, vejam só, ninguém menos do que a Presidente da República para restabelecer algo que já havia sido banido do serviço público brasileiro, que era exatamente a utilização pelos seus controladores dos bancos para falsear a realidade fiscal e tomar empréstimos ilegais, o que levou o Paraiban, o Bandepe e vários outros bancos à sua liquidação. Mas, eu quero, neste instante final da minha indagação ao depoente, agradecendo, mais uma vez, em nome do Brasil, a valiosa contribuição que V. Exª vem dando, não apenas no âmbito do Tribunal de Contas da União, mas neste processo especificamente, indagá-lo sobre o PL 5, que estabelecia a meta fiscal, e, como todos nós sabemos, meta é algo a ser atingido, meta é um objetivo a ser alcançado. E o governo da Presidente Dilma Rousseff imaginava que, limpando a cena do crime, estava acabando com a prática criminosa. Não. Ao descumprir a meta fiscal, ela não poderia ter feito os decretos de suplementação orçamentária, uma vez que a concessão do art. 4º da Lei Orçamentária estabelecia um condicionante. O Congresso autoriza o Poder Executivo a editar decretos de suplementação sob uma condição: a meta fiscal estar cumprida. A meta fiscal não foi cumprida. No final do exercício, ela foi renovada pelo PL 5, e, portanto, o que se pretendeu foi limpar a cena do crime, como se, limpando a cena do crime, o crime não fosse mais praticado. Então, eu gostaria de ter a manifestação de V. Exª no que diz respeito ao cumprimento da meta como regra essencial para a edição dos decretos de suplementação orçamentária. Foi essa condicionante que o Congresso Nacional estabeleceu e que foi desrespeitada pela Presidente Dilma, o que caracteriza, de forma irrespondível, de maneira irrefutável, o crime de responsabilidade previsto na Constituição Federal.

Júlio Marcelo: Como bem disse V. Exª, a meta estabelecida em lei é um condicionante do comportamento do Governo em relação às suas despesas e receitas para o comportamento futuro. A meta vige para frente, ela não tem efeitos retroativos. A meta é tão importante na disciplina fiscal estabelecida pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que a LRF prevê que, de quatro em quatro meses, o Chefe do Poder Executivo – e ela menciona explicitamente o Chefe do Poder Executivo – tem que apresentar à Comissão Mista de Orçamento um relatório, chamado RGF, o Relatório de Gestão Fiscal, em que ele vai demonstrar o estado das contas da União para o Congresso Nacional. Portanto, a meta assume, no ordenamento jurídico brasileiro, um valor extremamente elevado, que é utilizado, como já disse, como um parâmetro para a elaboração do Orçamento, para eventual suplementação de créditos orçamentários. É essa condicionante que o Congresso houve por bem estabelecer. Poderia ter estabelecido outra condicionante, mas, de forma coerente com todo o ordenamento jurídico, houve por bem estabelecer que os decretos de suplementação de dotações orçamentárias têm que ser compatíveis já ainda no plano da autorização legislativa, e não só depois de adentrando a execução orçamentária. Ainda nesse momento, tem que ser compatível com a meta em vigor. Apenas fazendo um adendo em relação à sua pergunta anterior, Senador, veja que os bancos privados também prestam serviços à União na operacionalização de Pronaf, do Plano Safra, e mesmo do PSI, e, em nenhum momento, a União ousou deixar de pagar. E, aliás, lá, a equalização é feita mensalmente. Em nenhum momento a União deixou de fazer o pagamento mensal das equalizações aos bancos privados. Isso só ocorreu com os bancos públicos, em decorrência do abuso do poder de controle que a União detém sobre essas instituições.

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Senador Lasier Martins (PDT/RS): Bem, quero dizer, em primeiro lugar, que, como prestador de informações, o Sr. Júlio Marcelo merece todo o crédito, como se estivesse investido na condição de testemunha, até pela nobre função que desempenha. Nós precisamos acreditar num representante do Ministério Público Federal, num fiscalizador da aplicação das contas públicas da União. Então, a informação que lhe peço, Sr. Júlio Marcelo, é sobre os alertas feitos ao Governo Federal desde 2013 e reiterados em 2015, de que ele estava entrando numa trajetória arriscada com a gestão das contas públicas. Exemplo: se V. Sª tem conhecimento de que houve uma reunião de técnicos em julho de 2013, com a presença do Sr. Arno Augustin, Secretário do Tesouro, em que fizeram observações de que estariam ocorrendo as pedaladas; depois, na Comissão Especial do Senado, onde V. Sª prestou depoimento, se reconheceu ou se sabe nos informar que o próprio Sr. Luís Adams, Presidente da AGU, advertiu o Governo de que aquele uso das verbas era irregular. Isso permite deduzir, Sr. Júlio, que a Presidente da República cometeu as pedaladas, sabendo o que estava fazendo. E, nesse sentido, teria havido dolo nessa infração fiscal. Então, a minha pergunta é sobre o seu conhecimento a respeito dos alertas feitos, já há bastante tempo, durante longo tempo, quase dois anos, de que a Presidente da República não poderia estar incidindo naquela infração. (...) A minha pergunta foi de que já em 2013 havia esse alerta e se reiterou em 2015. Isto é, no âmbito interno do Governo, havia advertências. E aí, estou perguntando ao Sr. Júlio Marcelo se ele teve conhecimento, e certamente teve, porque é um homem que estava encarregado – é da essência da sua atividade – de acompanhar as contas públicas da União. Então, essa é a pergunta.

Júlio Marcelo: Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Lasier Martins. Infelizmente, Senador Lasier Martins, nós só tivemos notícia dessa reação técnica dos servidores do Tesouro aos procedimentos que então se conduziam naquela repartição pública neste ano. Neste ano é que tivemos acesso aos textos, às notas técnicas – neste ano de 2016 –, às notas técnicas produzidas pelos técnicos do Tesouro. Se tivéssemos sabido em 2013, certamente poderíamos ter provocado o Tribunal de Contas de maneira mais tempestiva, a auditoria poderia ter acontecido antes, e a má conduta poderia ter sido cortada bem antes do que foi. Infelizmente, só soubemos disso em 2016. E naqueles documentos, a que só tivemos acesso recentemente, os técnicos já alertavam que nós perderíamos o grau de investimento. Estava lá no documento desses técnicos do Tesouro o alerta de que nós perderíamos o grau de investimento em decorrência dessas práticas. Sobre os alertas que o Ministro Adams teria dado à Presidente sobre a ilegalidade das práticas, eu também não tenho conhecimento direto, apenas por notícias de jornal. Mas aponto – e V. Exª pergunta sobre o dolo da Presidente a respeito –, desde que fizemos a representação em agosto de 2014, amplamente noticiada pelos meios de comunicação, e toda a discussão que se seguiu nos meios de comunicação, é impossível imaginar que a Presidente da República não tivesse conhecimento de que esse problema grave estava acontecendo em sua administração. E faço aqui algo que me parece importante, quando o Senador Lindbergh aponta: em 2014 e 2013, era uma equipe econômica; em 2015, era outra equipe econômica. E, no entanto, com uma mudança radical da equipe econômica, a prática continuou a mesma, e o único elemento comum entre 2013, 2014 e 2015 é o comando dessa equipe econômica pela Presidente da República, o que em mim reforça a convicção de que ela tinha o conhecimento, a direção e o comando sobre os fatos.

Senador Lasier Martins (PDT/RS): Esse pronunciamento do Sr. Júlio é importantíssimo, Sr. Presidente. Ele acaba de dizer que só agora, em 2016, teve conhecimento nos documentos. Os documentos existiram – sobre aqueles alertas anteriores – só que foram conhecidos apenas agora. E aí eu peço a sua complementação, Sr. Júlio Marcelo, e é do seu conhecimento seguramente, se não foi justamente depois desses flagrantes das pedaladas que houve o rebaixamento do crédito do Brasil pelas agências de classificação de risco? Não aconteceu exatamente isso? Então, o prejuízo está configurado ou não?

Júlio Marcelo: Senador Lasier Martins, os técnicos do Tesouro, com a sua experiência – e faço o registro de que, quando se fala de contas públicas, a conexão com a economia é direta, é fundamental. O Estado, na sua gestão de seus recursos, é o principal ator da economia e o seu comportamento condiciona o funcionamento da economia, com taxas de juros, com gasto público, com maior arrecadação, menor arrecadação, com desoneração tributária –, enfim, os técnicos do Tesouro anteviram com precisão que aquela conduta levaria à perda de credibilidade e perda do grau de investimento. Então, eu não tenho dúvida em dizer, é uma convicção profissional de quem lida com contas públicas, de que, sim, essas condutas é que levaram a perda do grau de investimento e tornaram, encareceram o investimento no Brasil, encareceram a taxa de juros que o Brasil paga e os empresários brasileiros pagam para captar recursos internamente ou externamente.

 

Fonte: 180 GRAUS